O faroleiro
Apenas este ilhéu é que é pequeno
O resto é tudo grande: o tédio, a vida,
O dia enorme, a noite mais comprida,
E o mar, calmo ou feroz, rude ou sereno;
O tempo, esse narcótico veneno,
A dor, essa letárgica bebida,
O desejo, essa voz enrouquecida,
E a saudade, o distante e branco aceno.
Tudo profundo, imenso, na amplidão,
Eterno quási na desolação
E sobrenatural na solidão.
A luz vermelha a reflectir-se além…
Nenhum vapor que vai, nenhum que vem…
Farol e faroleiro – e mais ninguém.
Aos cativos
Vós outros, que sois cativos,
Grilos dentro de gaiola;
Aves, que andastes à solta,
E vos prenderam à argola;
Peixes nalguma redoma,
Muito mais mortos que vivos, -
Ouvi:
Maior prisão é cá dentro.
Vós outros, que sois cativos,
Com ferrolhos pelas portas,
E chaves de muitas voltas,
Medonhas grades por fora,
E luz, por dentro, tão pouca,
E antes mortos do que vivos, -
Ouvi:
Preso está quem anda à solta.
Mas seja assim, muito embora,
Vós outros, que sois cativos,
Minh’ alma não vos ignora
Nesta prisão de aqui fora,
Onde é noite a toda a hora,
E, condenados, os vivos
Parecem mortos agora; -
Ouvi:
O tempo tudo melhora
NASCIMENTO, Cabral do – Cancioneiro. Lisboa: Edições Gama, 1943. P.61-62, 107-108.
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